NOTA TÉCNICA DE LATINDADD SOBRE A NEGOCIAÇÃO ENTRE A REPÚBLICA DA COSTA RICA E O FMI
A PROPOSTA DO GOVERNO DA COSTA RICA AO FMI ACENTUARÁ A RETRAÇÃO ECONÔMICA PORQUE TEM UM CLARO VIÉS REGRESSIVO FISCAL ORÇAMENTÁRIO
O Governo da Costa Rica apresentou ao FMI uma proposta para iniciar a negociação de um “Serviço Expandido (EFF, na sigla em inglês)” para acesso a fundos de $ 1.750.000.000,00 (Um bilhão e setecentos e cinquenta milhões de dólares), proposta que contém um forte ajuste fiscal e econômico com conteúdo voltado principalmente para a redução da Despesa Pública e um conjunto de novos impostos com o objetivo de atrair novas receitas.
Diante disso, Latindadd observa:
Austeridade orçamentária, venda de ativos estatais e reformas nas instituições públicas
- a) Propõe-se incentivar rigidamente a Norma Fiscal contida na Lei nº 9.635 aprovada em 2018, o que implicará no congelamento indefinido de remunerações do setor público, forte contração orçamentária e fusão ou extinção de diversas instituições e órgãos públicos.
- b) Transfere taxas parafiscais estabelecidas pela Lei dos Bancos Públicos que hoje financiam a várias instituições para o fundo único do Estado, sem estabelecer a destinação dos referidos recursos e também o que acontecerá com as entidades afetadas.
- c) Promove obra pública em infraestrutura sob a figura de Alianças Público/Privadas (APPs), sem considerar que em vários países da região esses mecanismos super avaliaram custos e geraram conflitos socioambientais.
- d) Venda de ativos Estatais (Fábrica Nacional de Licores e Banco Internacional de CR), ou seja, privatizações.
2- Nova carga tributária com conteúdo principalmente regressivo e de contração econômica.
- a) Um aumento permanente de 300 por cento na taxa do imposto municipal sobre bens imóveis, o que representará um sério golpe nas finanças familiares dos sectores médios ao não fazer qualquer tipo de diferenciação ou isenção. É um duro golpe para os pequenos e médios comerciantes e agricultores, em um momento em que são esses setores que estão recebendo os impactos da crise econômica provocada pela pandemia.
- b) Aumento por dois anos das alíquotas (2,5 por cento, 5 por cento e 10 por cento) do Imposto Sobre a Renda (ISR) para pessoas físicas e jurídicas. Em princípio, uma medida que poderia ser progressiva torna-se regressiva, primeiro porque há menos de um ano entrou em vigor um aumento de tarifa. Em segundo lugar, porque no atual contexto de pandemia, uma boa parte dos salários médios e altos do setor formal são para sustentar núcleos familiares devido ao grave desemprego (24,4 por cento). E terceiro, porque esse aumento em meio a uma grave recessão econômica (-4,3 por cento do PIB no primeiro semestre de 2020) afetará pequenos e médios produtores e comerciantes, o que significará um aumento excessivo nos custos quando eles ainda não recuperam seus níveis de vendas, nem os de produção.
- c) Imposto por 4 anos (0,3 por cento nos primeiros 2 anos e 0,2 por cento nos outros dois anos) sobre transações eletrônicas bancárias, o que significa um aumento dos custos para todos os agentes econômicos, e uma redução na capacidade de consumo das famílias. Da mesma forma, aumenta os custos para o setor produtivo ao taxar todas as suas transações e acentua o viés regressivo do imposto ao não fazer qualquer tipo de diferenciação, nem no montante e nem no tipo de transação. Noutro contexto, poderia ter sido discutido se era ou não relevante, mas o que é real é que está muito longe do debate internacional sobre a taxação das grandes transacções financeiras e, em particular, as especulativas.
- d) Embora se possa definir que a proposta de incorporação da Renda Global a partir de 2023 vai na direção certa, não se introduziu a figura da Renda Mundial principalmente devido ao lobby do setor empresarial que resiste a uma medida que ajudaria substancialmente no combate aos Fluxos Financeiros Ilícitos do setor vinculado ao comércio exterior e ao setor financeiro.
3- Permanecem incólumes os privilégios fiscais e evasão / elisão corporativa
- a) Embora a proposta indique a sua intenção de “eliminar a Despesa Tributária”, o que efetivamente faz é eliminar os componentes da despesa referida ao Rendimento do Trabalho, ao eliminar a exoneração do ISR ao Salário Escolar (0,12 por cento do PIB); e eliminar os créditos familiares em ISR estabelecidos para cônjuge e filhos menores de 25 anos que estudam (0,03 por cento do PIB). Além disso, a exoneração de prêmios de loteria (0,07% do PIB) e a exoneração de ISR para cooperativas (0,06% do PIB) são eliminadas.
- b) Por outro lado, a Despesa Tributária referida ao poder empresarial permanece intacta. Não são tocadas as exonerações do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) e ISR para as zonas francas que apenas em ISR representam (1,01 por cento do PIB) e em IVA (1,0 por cento do PIB); nem a isenção do ISR às rendas passivas do mercado financeiro (0,36 por cento do PIB), nem a exoneração do ISR dos ganhos em transferências imobiliárias (0,15 por cento do PIB). A Despesa Tributária em geral tem um sério impacto na economia nacional, pois representa 5,57% do PIB.
- c) Não existe na proposta nenhuma medida concreta e eficaz de combate à evasão e elisão. Apenas se propõe a implementação do projeto Fazenda Digital como mecanismo para reduzir referida evasão. Note-se que apenas em ISR e IVA, a evasão representa 8,22 por cento do PIB. Por outro lado, a evasão e elisão do Comércio Exterior (Faturamento enganoso e Manipulação de Preços de Transferência) representa 5,50 por cento do PIB.
4- Uma política de deterioração das condições de trabalho e salários no Setor Público
- a) Se impulsiona o projeto de Reforma do Emprego Público, que universaliza o “Salário Único” sem nenhum tipo de “complemento salarial”, o que deteriora a composição do salário do setor público, flexibiliza e desregula as condições de demissão, e introduz transformações nas formas de contratação e estabilidade no emprego.
- b) Se busca eliminar por quatro anos o complemento salarial por antiguidade denominado “anuidades” para toda a folha de pagamento do setor público.
- c) Se promove um programa de “mobilidade laboral” ou aposentadoria de 7.000 (sete mil) servidores públicos.
- d) Se promove o projeto legislativo que visa eliminar a jornada de oito horas, tornando a jornada de doze horas como período normal.
Portanto, Latindadd conclui que:
– A proposta governamental ao FMI expressa uma intenção de promover um ajuste muito forte em termos de contenção de gasto:
- colocando ênfase em uma rígida política de austeridade orçamentária usando para isso a Norma Fiscal,
- promovendo uma forte política de congelamento de valores de salários,
- uma política de congelamento e desregulamentação das condições de contratação, e
- o fechamento e fusão de órgãos públicos.
– Incorpora perigosamente a venda de ativos estatais como uma saída, algo que ficou demonstrado na América Latina, tem sérias consequências. Também, como a promoção de Alianças Público / Privadas em infraestrutura pública, que já foi demonstrado através de diferentes estudos os sérios riscos que esta estratégia contém.
– Promover um conjunto de novos impostos temporários e permanentes, de carácter altamente regressivo pela forma como são propostos e pelo contexto de crise econômica, atingindo fortemente os setores médios e pequenos e médios empresários, que são os que mais têm sofrido com a consequências econômicas da pandemia. Este pacote de novos impostos terá um efeito contraproducente na economia nacional, acentuando a recessão económica.
– A proposta não ataca dois aspectos centrais que vêm corroendo as finanças públicas como é o Gasto Tributário e a Evasão e Elisão Tributária, voltando a recarregar-se nas rendas do trabalho sua proposta de eliminação de exonerações, sem tocar nas do setor empresarial e não apresenta uma única medida para atacar o grave problema da evasão e elisão fiscal das empresas.
– A proposta tem um claro viés anti-laboral com um conjunto de medidas voltadas a precarizar as condições de trabalho e salários do setor público.
– Uma fragilidade fundamental e estrutural da proposta apresentada pelo Governo, é que não aborda o principal problema que o país tem, como é a gestão da Dívida Pública, que em Julho de 2020 representou 65,8 por cento do PIB. Sem resolver esse problema de gestão da dívida, a situação fiscal não poderá ser resolvida.
– Finalmente, o caminho escolhido pelo Governo da Costa Rica vai na direção oposta ao que a UNCTAD recomenda em seu recente Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento 2020 (ver https://unctad.org/es/PublicationsLibrary/ tdr2020overview_es.pdf), no qual ele recomenda três medidas essenciais: um impulso ousado nos gastos públicos para impulsionar a recuperação econômica, aumentar os salários e conter os rendimentos das empresas. Com o propósito de enfrentar a desigualdade (lembre-se que a Costa Rica ocupa a 9ª posição entre os países mais desiguais do planeta) e reconstruir as economias da devastação causada pela pandemia do coronavírus.
Nesse sentido, Latindadd exorta ao Governo da Costa Rica a deixar de lado as políticas e medidas que apóiam este pedido ao FMI, e adotar uma abordagem adequada ao contexto de pandemia, crise econômica e crise social que atravessa o país. Da mesma forma, faz um chamado para as organizações sociais do país a estarem atentas a este possível acordo.
Por fim, exortamos ao FMI a fechar definitivamente o capítulo sombrio da austeridade condicionada, que somente contribui para uma recuperação desigual da crise, afetando direta e negativamente a nossos países.
América Latina, 5 de outubro de 2020.